22/09/2005
Elisângela Marques Jerônimo e Marcelo de Almeida Silva
Definição
Segundo a legislação brasileira, aguardente de cana é a bebida fermento-destilada com graduação alcoólica de 38 a 54% em volume, a 20 ºC, obtida pela destilação do mosto fermentado de cana-de-açúcar, podendo ser adicionada de açúcar até 6 g/L. Acima de 6g/L e até 30 g/L, o produto terá sua denominação acrescida da expressão “adoçada”. Cachaça é a denominação típica e exclusiva da aguardente de cana produzida no Brasil, com graduação alcoólica de 38 a 48% em volume a 20ºC, obtida pela destilação do mosto fermentado de cana-de-açúcar e com características sensoriais peculiares. A quase totalidade dos componentes orgânicos voláteis da cachaça é representada pelo etanol. Outros compostos voláteis, chamados secundários, estão presentes e são os principais responsáveis pelo sabor característico da bebida. A avaliação da cachaça é feita com base na legislação brasileira, atualizada pela instrução normativa nº 13 de 29/06/2005, que especifica que os compostos voláteis totais (soma de aldeídos, ácidos voláteis, ésteres, furfural e álcoois superiores), não poderão ser inferiores a 200 mg por 100 ml de álcool anidro, nem superiores a 650 mg por 100 ml de álcool anidro. Os limites para os contaminantes orgânicos são: 20 mg de álcool metílico por 100 ml de álcool anidro, 150 µg de carbamato de etila por litro e 5 mg de acroleína por 100 ml de álcool anidro. Para o cobre (contaminante inorgânico) os limites são de 5 mg por litro do produto. Uma boa cachaça, além de atender às exigências legais com relação à sua composição, deve apresentar qualidade sensorial capaz de satisfazer as expectativas de seus consumidores. A produção brasileira está estimada em 1,3 bilhão de litros de cachaça por ano, número que reflete a importância social e econômica dessa bebida. Deste volume, apenas 1% do total produzido é exportado para mais de 60 países. Cerca de 1 bilhão de litros é de cachaça de coluna, as chamadas industriais, e 300 milhões de litros, de alambique, as artesanais. O Estado de São Paulo é o maior produtor de cachaça industrial no país e Minas Gerais é o primeiro produtor de cachaça artesanal. A diferença entre a cachaça industrializada e a de alambique (artesanal) está tanto na escala quanto no sistema de produção. Nos alambiques geralmente são produzidos de cem a mil litros/dia de cachaça, ao passo que nas destilarias industriais são produzidos cerca de trezentos mil litros por dia. Uma opção no mercado é a cachaça bidestilada, cujo produto obtido apresenta menor teor acidez e cobre, em relação à monodestilada. Produção de cachaçaAs etapas do processo produtivo basicamente são: moagem, filtragem do caldo da cana-de-açúcar e preparo do mosto, fermentação, destilação, armazenamento, envelhecimento e engarrafamento. O caldo de cana deve ter o teor de açúcar ajustado entre 14º e 16º Brix, com adição de água potável. Podem ser usados os seguintes tipos de fermento: caipira, aquele que aproveita as leveduras que estão presentes na cana-de-açúcar; comercial, de panificação (Saccharomyces cerevisiae); misto, no qual o tratamento destinado à multiplicação das leveduras selvagens do processo caipira é reforçado pela adição de fermento comercial; selecionado, ou seja, cultura pura de linhagem previamente selecionada. Na etapa da fermentação, o açúcar e outros componentes presentes no mosto são transformados pelas leveduras em etanol, CO2 e outros produtos secundários, originando o vinho, com teor alcoólico entre 6 e 8%. Normalmente a duração deste processo é de 24 horas. A separação, a seleção e a concentração dos componentes voláteis oriundos do vinho serão realizadas na destilação. Artesanalmente a destilação ocorre em batelada, ou seja, todo o vinho é colocado ao mesmo tempo no equipamento (alambique), destila-se e depois o esvazia completamente. Em função do grau de volatilidade, o destilado é dividido em três frações: "cabeça", que é a primeira fração, (5% a 10% do destilado total), e contém a maior parte do metanol e parte dos aldeídos e álcoois superiores; "coração", com teor alcoólico variável de 45 a 48% em volume, a 20ºC, é a fração nobre da destilação, isto é, a cachaça (80% do destilado total); "cauda", é a terceira fração, que corresponde aos cerca de 10% a 15% finais do destilado total e contêm ácidos voláteis e parte dos álcoois superiores, entre outros. O resíduo remanescente na caldeira do alambique é a vinhaça. O alambique funciona como um reator químico, favorecendo a formação de alguns componentes voláteis do produto final. O cobre presente no condensador do alambique funciona como um catalisador, favorecendo a formação de aromas e buquês. Porém, este artifício também é usado em muitas destilarias de colunas no Brasil, passando pelo mesmo processo de formação de aromas. Na produção da cachaça industrial, a destilação é feita em colunas de aço inox, sem a separação das frações cabeça, coração e cauda. O volume de produção é maior, com fluxo contínuo, a todo o momento entra por um lado o mosto fermentado e do outro sai um destilado bruto, com concentração alcoólica em torno de 47,5%, em volume, a 20ºC. Posteriormente, esse destilado é comercializado junto as estandardizadoras, unidades industriais que realizam a mistura entre destilados de diferentes procedências, que ajustam o teor alcoólico ao grau de consumo (geralmente entre 38 a 40%). Portanto, a grande vantagem da cachaça artesanal em relação a industrial é o aroma e buquê enquanto a vantagem da cachaça industrial em relação a artesanal é a padronização do produto, requisito importante para uma bebida que começa a dar seus primeiros passos na exportação. Os dois processos podem gerar bebidas com qualidade. O destilado recém obtido apresenta sabor seco e ardente e o aroma não é muito agradável, embora o produto esteja perfeitamente dentro das especificações legais e seja de boa qualidade tecnológica. O envelhecimento em tonéis de madeira provoca redução gradual no teor alcoólico, incremento no teor de ésteres e alguns produtos secundários provenientes da madeira e melhora significativamente as propriedades sensoriais. A cor da cachaça envelhecida é conferida pelos componentes extraídos da madeira ou por caramelo, que pode ser adicionado ao produto para a correção da cor. Existem madeiras neutras, como o jequitibá e o amendoim, que não alteram a cor da cachaça. As que conferem ao destilado um tom amarelado e mudam seu aroma são o carvalho, a umburana, o cedro e o bálsamo, entre outras. Cada uma dá um toque especial, deixando a cachaça mais ou menos suave, adocicada e aromatizada, dependendo do tempo de envelhecimento. Segundo a legislação brasileira, a cachaça será denominada envelhecida, quando contiver no mínimo 50% de cachaça envelhecida em tonéis de madeira, com capacidade máxima de 700 litros, por pelo menos um ano. Já a cachaça Premium deverá conter 100% da bebida envelhecida por um período mínimo de um ano. A bebida envelhecida por um período não inferior a três anos será denominada Extra Premium. A cachaça ainda tenta desfazer preconceitos e continuar no caminho da apuração de sua qualidade. Hoje, várias marcas de qualidade figuram no comércio nacional e internacional e estão presentes nos melhores restaurantes e adegas residenciais pelo Brasil e pelo mundo. Elisângela Marques Jerônimo e Marcelo de Almeida Silva são pesquisadores científicos da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios - APTA - Pólo Regional do Centro Oeste, um órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo |
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