terça-feira, 13 de dezembro de 2011

MINHA IGREJA É RICA, EU NÃO.

Os templos-espetáculo
Os evangélicos celebram a expansão de sua fé
com a construção de santuários gigantes nos quais
o culto é um show e o pastor, seu astro principal

Rafael Corrêa

Divulgação
Parece um Maracanã
Nos Estados Unidos, o pastor Joel Osteen, da Igreja Lakewood, prega para uma multidão de 16 000 fiéis num ginásio esportivo convertido em templo ao custo de 95 milhões de dólares
A religião cristã que mais cresce no mundo é a evangélica. No Brasil, seus adeptos representam hoje 18% da população – há duas décadas, essa cifra era de 7%. O crescimento do rebanho evangélico é igualmente expressivo em países da Ásia, como Coréia do Sul, Indonésia e Cingapura, na América Central e até mesmo no Leste Europeu. A evidência mais pujante do avanço dos evangélicos são os megatemplos construídos nos últimos anos para sediar seus cultos. Com o objetivo de atender aos ritos animadíssimos comandados pelos pastores, os novos templos são verdadeiras casas de espetáculos, com sistemas de som e luz semelhantes aos dos shows de rock e telões que garantem uma visão perfeita de tudo o que acontece nos cultos. A maioria delas tem assentos estofados para acomodar todos os fiéis. Como aponta a historiadora americana Jeanne Halgren Kilde no livro When Church Became Theatre (Quando a Igreja se Transformou em Teatro, inédito no Brasil), com o passar dos anos as igrejas evangélicas começaram a privilegiar o formato de anfiteatro em detrimento da arquitetura das igrejas tradicionais. Primeiro, porque a organização em auditório permite que os fiéis vejam melhor o pastor, a estrela do show. Segundo, porque se amplifica a atmosfera de comoção e envolvimento dos fiéis quando entoam hinos religiosos.
A impressionante fotografia que abre esta reportagem, nas duas páginas anteriores, foi tirada durante um culto na Igreja Lakewood, em Houston, no Texas. O santuário tem capacidade para abrigar 16 000 pessoas e recebe uma média de 40 000 fiéis por semana. Originalmente, o prédio da La-kewood era o ginásio esportivo do time de basquete Houston Rockets. A congregação gastou 95 milhões de dólares na conversão do imóvel. O teto conta com um sistema de iluminação que muda de cor conforme o culto se desenvolve: o azul invade o ambiente durante os sermões, e o amarelo, quando são executadas músicas ao som de guitarras. Estima-se que somente em equipamentos a igreja tenha gasto 4 milhões de dólares. Tudo para garantir que o pastor seja ouvido e visto por todos. "É necessário muito dinheiro para espalhar a palavra de Deus pelo mundo, e as grandes igrejas estão em melhor posição para cumprir essa tarefa", disse a VEJA o americano Joel Osteen, pastor-chefe da Igreja Lakewood.
Damon Winter/The New York Times
Campo sagrado
A Igreja ChangePoint, no Alasca, acaba de inaugurar um centro esportivo que inclui um campo de futebol coberto. Serve aos fiéis e é alugado nas horas vagas. É comum que as igrejas evangélicas invistam em negócios imobiliários
Nos Estados Unidos, as correntes evangélicas com templos gigantes, como o de La-kewood, foram as que mais cresceram nos últimos cinco anos. Hoje, existem 55 santuários semelhantes ao de La-kewood no país. Para Scott Thumma, sociólogo do Instituto Hartford de Pesquisa Religiosa, sediado em Connecticut, grande parte desse crescimento pode ser atribuída à atmosfera de grandiosidade que os megatemplos proporcionam. "Os americanos gostam de pensar grande e projetar em larga escala. É justamente esse tipo de estilo de vida que eles encontram nos megatemplos", disse Thumma a VEJA. A tendência dos santuários gigantes também tomou conta de outros países. Na Guatemala, foi inaugurado recentemente o templo Mega Fráter, com capacidade para 12 000 pessoas. Em El Salvador, a Igreja de Cristo Elim Central possui um templo gigante instalado na capital do país. As congregações evangélicas brasileiras não ficam atrás. A sede da Igreja Universal do Reino de Deus, no Rio de Janeiro, abriga 12 000 fiéis, enquanto o Templo da Glória, da Igreja Pentecostal Deus É Amor, em São Paulo, pode receber 60 000 fiéis sentados ou em pé.
Divulgação
O impacto da luz
Por fora, a Catedral de Cristal, na Califórnia, lembra um prédio de escritórios. Por dentro, as 10 000 placas de vidro proporcionam uma iluminação natural destinada a elevar os espíritos
Os megatemplos evidenciam a intenção das congregações de fazer do local de oração parte do dia-a-dia das pessoas, e não apenas um lugar para freqüentar aos domingos. Além das escolas religiosas infantis, tradicionais nas igrejas evangélicas, os santuários gigantes oferecem infra-estrutura que mais se parece com a de um câmpus universitário. Prédios anexos ao auditório principal abrigam lanchonetes, livrarias, academias de ginástica e lojas que vendem desde roupas até bíblias. A Igreja ChangePoint, em Anchorage, no Alasca, se destaca no quesito inovação. Recentemente, a congregação inaugurou uma arena esportiva coberta onde se ministram aulas de futebol para as crianças e que serve de pista de corrida para os adultos. Nos horários em que não é ocupada pelas atividades da igreja, a arena é alugada para particulares. "Essas atrações não religiosas servem para atrair o público jovem, que encontra na igreja os elementos de seu dia-a-dia", explica o sociólogo Thumma. Há igrejas que expandem seus negócios para além das lojas e atividades de recreação. Envolvem-se na construção de condomínios residenciais, shopping centers e na oferta de crédito bancário para os fiéis.
Wang Jun-Young/AFP
A fé dos coreanos
A Igreja Yoido Full Gospel, na Coréia do Sul, e sua imensa mesa de som e iluminação. Os sermões são transmitidos em coreano, árabe, inglês, japonês e mais cinco idiomas
Entre as correntes evangélicas, a que mais cresce no mundo é a pentecostal. Na Coréia do Sul, um em cada vinte moradores da capital, Seul, pertence à pentecostal Yoido Full Gospel. A igreja, cujos primeiros cultos foram realizados numa simples tenda em 1958, hoje possui mais de 830 000 membros e um megatemplo com capacidade para 12 000 pessoas. Boa parte desse crescimento pode ser atribuída à transmissão dos cultos pela TV, recurso recorrente das igrejas pentecostais. Em Seul, a pregação do pastor David Yonggi Cho, líder da Yoido, é transmitida para dezenas de milhões de pessoas no mundo todo pela TV e pela internet, com tradução simultânea em oito idiomas. "O apelo emocional da imagem de um lugar lotado de pessoas rezando e cantando é muito forte", diz o sociólogo Ricardo Mariano, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. "A televisão permite levar à casa das pessoas essa sensação de bem-estar coletivo característica do megatemplo, atraindo mais fiéis para a igreja", ele completa. São recursos como esse que empurram a expansão dos evangélicos.
Orlando Sierra/AFP
Dá para chegar de helicóptero
O templo Mega Fráter, na Guatemala, possui heliporto e uma torre de estacionamento com sete andares. Seu nome significa Grande Irmão. É o maior templo da congregação Fraternidade Cristã, com capacidade para 12 000 pessoas

Roberto Setton
O maior do Brasil
Nos cultos mais disputados, o Templo da Glória, da Igreja Pentecostal Deus É Amor, em São Paulo, é tomado pelas vozes de 60 000 fiéis. Uma equipe de 450 pessoas administra a multidão, que tem à disposição 600 banheiros

Jorge Junqueira/divulgação
Arquibancada do Senhor
A sede mundial da igreja do bispo Edir Macedo, a Universal do Reino de Deus, no Rio de Janeiro, abriga 12 000 fiéis. O dono da TV Record também possui megatemplos em São Paulo e Salvador

Os templos são pop, mas não
são maiores que as catedrais
AFP
Basílica de São Pedro, no Vaticano: 60 000 fiéis entre tesouros

Apesar de seu gigantismo, os megatemplos evangélicos não comportam mais fiéis do que as grandes basílicas e catedrais católicas. A Basílica de São Pedro, no Vaticano, um dos tesouros da humanidade, pode abrigar 60 000 pessoas. O santuário de Aparecida, no estado de São Paulo, para o qual fiéis de todo o Brasil afluem no mês de outubro, comporta 45 000 pessoas. Além das proporções, o que diferencia os templos evangélicos dos católicos é a atmosfera que se respira em seu interior. Como os protestantes abandonaram a maior parte da simbologia cristã depois da Reforma, no século XVI, os templos evangélicos não têm a mesma riqueza de imagens e obras de arte das igrejas católicas. A arquitetura, os adereços, as estátuas e os afrescos das catedrais, representando os santos e o reino celeste, evocam uma aura de transcendência e majestade. A Basílica de São Pedro exibe obras de artistas do Renascimento como Rafael e Michelangelo. O altar, usado pelo papa para celebrar missas nas datas tradicionais católicas, é ornado pelo requintado baldaquino de Gianlorenzo Bernini. A ornamentação dos templos evangélicos, por sua vez, tende a ser simples e reducionista, em razão da economia radical de símbolos e imagens que a religião prega. Em seu lugar, entra a estrutura necessária para grandes espetáculos pop.

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