“Os supercomputadores expandem nossa visão, permitindo-nos 'ver' muito além dos nossos sentidos
Nós, humanos, evoluímos na proximidade de uma estrela cuja temperatura na superfície é de cerca de 5.600ºC. Nosso metabolismo e fisiologia são consequência do ambiente em que vivemos.
Por isso, desenvolvemos órgãos que nos permitem sobreviver nas condições ditadas pela natureza à nossa volta. Nossos olhos enxergam a parte do espectro eletromagnético visível (as "cores" do arco-íris).
Devido ao nosso tamanho, não vemos coisas menores do que meio milímetro e, como nossos antepassados não precisavam enxergar muito longe para caçar ou se defender, não captamos detalhes de objetos muito distantes.
Nossa audição também reflete nossas dimensões e meio ambiente. Somos criaturas muito bem adaptadas ao mundo em que vivemos e completamente cegas a uma gama de fenômenos que escapam à nossa percepção sensorial.
Daí a enorme importância dos instrumentos na ciência. Eles expandem nossa visão, permitindo-nos "ver" muito além do alcance de nossos próprios sentidos.
Poderíamos contar a história da ciência através da história dos instrumentos científicos.
Recentemente, li uma matéria de John Markoff, no jornal "The New York Times", sobre como os supercomputadores estão redefinindo a ciência. "A tecnologia tradicional da pesquisa científica continua presente: microscópios eletrônicos, telescópios. Mas são inseparáveis dos computadores. Apenas com computadores os cientistas conseguem encontrar padrões de ordem nas informações coletadas por instrumentos usados nos experimentos."
O que sabemos do mundo é determinado pelo que podemos ver dele.
Na medida em que a ciência avança, o que chamamos de "mundo" muda dramaticamente. Do Cosmo geocêntrico, esférico e estático da época de Cabral, a um Universo expandindo a 13,7 bilhões de anos é um pulo imenso. Do mundo grego, composto por cinco elementos básicos (terra, água, ar, fogo e éter), aos mais de 100 elementos da tabela periódica compostos de quarks e elétrons.
Sem computadores, os dados que coletamos fariam pouco sentido.
Mas essas máquinas vão além, permitindo-nos resolver problemas considerados insolúveis no passado.
Nos séculos 18 e 19, ficou claro que muitas das equações da física eram intratáveis. Vários matemáticos, na maior parte franceses e com nomes começando em "L" (Lagrange, Laplace, Laguerre, Liouville...), desenvolveram técnicas para lidar com equações que descrevemos fenômenos naturais.
Infelizmente, uma classe importante de problemas permaneceu sem solução, os chamados sistemas não lineares, em que as várias partes interagem entre si de modo não trivial. Uma enorme quantidade de fenômenos naturais é não linear.
É aqui que os computadores realmente são imprescindíveis. Em princípio, qualquer equação não linear é solúvel num computador (dentro de certa precisão).
Dentre várias questões em aberto, cito três: o clima e sua previsão de longo prazo, a emergência da consciência humana na interação entre neurônios e as equações bioquímicas ligadas à origem da vida.
Sem nossos instrumentos de descoberta, nossa visão de mundo estagnaria.
É bom lembrar disso ao discutir o fomento à pesquisa”.
FONTE: escrito por Marcelo Gleiser, brasileiro, professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita". Artigo publicado na “Folha de São Paulo” (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe0805201103.htm) [imagem do google adicionada por este blog].
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