O Velho Problema da Disciplina na Igreja
Graça e Verdade
"... a lei foi dada por Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo" (Jo.1.17).
O Evangelho de João é fascinante! Narrado dentro de uma perspectiva diferente, traz uma riqueza ímpar, uma profundidade teológica, um toque diferente de conhecimento da cultura tanto judaica quanto grega!
Em João 1.17, por exemplo, o filho de Zebedeu coloca a Lei de Moisés em contraposição à graça e verdade que há em Cristo. A palavra verdade no A. T. é traduzida do hebraico "hemeth" que significa honestidade, integridade, fidelidade. No Antigo Testamento, principalmente após a promulgação da lei mosaica, a verdade estava diretamente associada à Lei e assumia uma função acusadora, julgadora e condenatória. Havia muita rigidez na estrutura da Lei e na aplicação da pena ao transgressor. Alguém que transgredisse a lei seria morto "sem misericórdia" somente pela palavra de duas ou três testemunhas (Heb. 10.28). A Lei do Talião prometia vingança dentro de um ajuste de contas sem misericórdia, pois era baseada no sistema de recompensas(1).
Verdade no Novo Testamento vem do grego "alétheia" e significa completo, perfeito, real, absoluto, algo que quando posto ao lado de um simulacro denuncia o engodo, o imperfeito e incompleto. Pode ser compreendida ainda como algo que não pode ser oculto ou escondido. Por isso, Jesus podia dizer: "Eu sou o caminho, a Verdade e a vida e ninguém vem ao Pai a não ser por mim" (João 14.6), posto que Ele é absoluto, perfeito, completo e nele não há falta de nada. No conceito de Agostinho a verdade absoluta é Theos, isto é Deus. Isso refere-se também à suas palavras: realidade no sentido de coerência em sua vida e palavras.
O escritor sacro tem a intenção clara de estabelecer um paralelo entre Lei e Graça. Justapõe graça e verdade para contrapô-las à Lei. A Bíblia diz a Graça e a Verdade e não a Verdade e a Graça. E por que a graça vem primeiro e de forma tão abundante?(2) Para mostrar a superioridade da nova aliança e se sobressair ao rigor da lei no testamento anterior. Portanto, a graça surge como a grande novidade do amor de Deus no Evangelho.
Jesus traz a realidade em si, a verdade como ela é, sabendo que os homens não subsistiram ao rigor da Lei, por isso ele mesmo veio cheio de graça e de verdade. Essa junção, graça e verdade, fala da flexibilidade amorável e da justiça de um Deus que resolveu salvar os pecadores, fazendo justiça não pelas obras da lei, nem pelas boas obras dos homens, mas pela Graça e pela justiça que é segundo a fé (Ef.2.8).
Quem não conhece a máxima da introdução do Direito na Roma Antiga: "Dura lex, sede lex", a lei é dura, mas é a lei. A lei de Moisés igualmente era dura e todos deveriam cumpri-la em qualquer ocasião, embora ninguém pudesse fazê-lo integralmente, senão Jesus - aquele que não tinha pecado e veio cheio de graça e de verdade.
As grandes estruturas, como prédios, viadutos, estádios de futebol, torres construídas com ferro e concreto são edificados com certa flexibilidade para não ruirem frente aos grandes abalos. Toda estrutura muito rígida, se não tiver um pouco de flexibilidade, está fadada à ruina. Assim também a doutrina cristã tem verdade, realidade, mas também tem graça. Havia um tempo na igreja em que o irmão disciplinado era desprezado e os outros evitavam comunhão ou contato com ele. Foi por esse tempo que ouvi alguém falando de um pastor que, obrigado a disciplinar a própria filha que havia ferido a doutrina, teria feito um apelo em lágrimas diante da igreja: "Irmãos, não desprezem minha filha. Ajudem minha filha, porque na minha casa tem verdade, mas também tem graça".
A disciplina na igreja é indispensável, pois quem está sem discipina é como um "bastardo" e não filho (Heb.12.8). Contudo, a rigidez de muitas igrejas têm gerado crentes "domados" pela religião que adestra mais do que edifica. Muitas igrejas evangélicas ainda guardam resquício do catolicismo romano anterior à Reforma em suas cartilhas doutrinárias. Conservam a imagem do Deus da Idade Média, a idéia de um Divindade irada contra os moradores da Terra, destilando ódio e prometendo castigo, quando o Evangelho revela um Deus gracioso, um Pai amoroso, disposto a perdoar para "não quebrar" o indivíduo. A consequência da rigidez na estrutura da igreja é a formação de uma geração de crentes inseguros, medrosos, que não se sentem filhos de Deus e que não têm certeza da salvação. Porém, a disciplina deve observar princípios estabelecidos pelas Escrituras e dentro da natureza do binômio graça-verdade. Na disciplina deve-se observar seu caráter formativo e correcional. O caráter formativo baseia-se na instrução da igreja aos membros para prevenção. Já o correcional, como o próprio nome sugere, tem por base a correção. Não como uma igreja que leva o nome de cristã, onde se um membro pecar o problema passa a ser dele com Deus: "A Igreja", dizem eles, "não pode fazer mais nada, agora é com você e Deus".
A disciplina cristã deve ter como fim a restauração do irmão faltoso e não o "apedrejamento" público, pelo fato de o cristão ser falível. Por outro lado, igreja que não tem disciplina cria filhos bastardos e gera desordem e indecência, envergonhando o nome da Igreja de Cristo. Precisamos de igrejas que nos digam o que é pecado, o que é errado, o que podemos e o que não podemos fazer, segundo as Escrituras e não segundo os homens. Não precisamos de igrejas moralmente frouxas que só levam o título de cristãs. Igualmente não precisamos de igrejas inquisidoras ou indulgentes no sentido de condescendentes e tolerantes com a prática do pecado.
A correção não deve ser parcial, mas indiscriminatória. Todos que pecarem devem ser corrigidos e não somente os pequenos, os pobres e os indoutos, mas também os ricos, os cultos, os ilustres e, claro, as autoridades eclesiásticas. Para se ter verdade, realidade, é preciso fazer sem vantagem ou direito exclusivo. A verdade é verdade para todos, sem discriminação. A graça é graça para todos e não privilégio de alguns. Acima de tudo, todos que pecarem devem ser restaurados para o perdão e comunhão. A Igreja precisa, como Jesus, ser cheia de Graça e Verdade para com seus membros.
Ao concluir quero afirmar que se Jesus tivesse vindo apenas com a verdade, estaríamos perdidos. A mulher adúltera teria sido apedrejada (Jo.8), Zaqueu não poderia recebê-Lo em sua casa (Lc.19.10) e o ladrão da Cruz (Lucas 23.43) onde estaria? E os outros? Confesso que sem a manifestação da Graça (Tt. 2.11) eu não teria a menor chance. Você teria? Dou graças a Deus que na minha trajetória fui muitas vezes disciplinado pelo Senhor e muito mais vezes alvo da Sua graça e por ela beneficiado.
"E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do Unigênito do Pai, cheio de Graça e de Verdade" (Jo.1.14).
Deus abençoe a todos.
Maranata. Ora vem Senhor Jesus!
O Evangelho de João é fascinante! Narrado dentro de uma perspectiva diferente, traz uma riqueza ímpar, uma profundidade teológica, um toque diferente de conhecimento da cultura tanto judaica quanto grega!
Em João 1.17, por exemplo, o filho de Zebedeu coloca a Lei de Moisés em contraposição à graça e verdade que há em Cristo. A palavra verdade no A. T. é traduzida do hebraico "hemeth" que significa honestidade, integridade, fidelidade. No Antigo Testamento, principalmente após a promulgação da lei mosaica, a verdade estava diretamente associada à Lei e assumia uma função acusadora, julgadora e condenatória. Havia muita rigidez na estrutura da Lei e na aplicação da pena ao transgressor. Alguém que transgredisse a lei seria morto "sem misericórdia" somente pela palavra de duas ou três testemunhas (Heb. 10.28). A Lei do Talião prometia vingança dentro de um ajuste de contas sem misericórdia, pois era baseada no sistema de recompensas(1).
Verdade no Novo Testamento vem do grego "alétheia" e significa completo, perfeito, real, absoluto, algo que quando posto ao lado de um simulacro denuncia o engodo, o imperfeito e incompleto. Pode ser compreendida ainda como algo que não pode ser oculto ou escondido. Por isso, Jesus podia dizer: "Eu sou o caminho, a Verdade e a vida e ninguém vem ao Pai a não ser por mim" (João 14.6), posto que Ele é absoluto, perfeito, completo e nele não há falta de nada. No conceito de Agostinho a verdade absoluta é Theos, isto é Deus. Isso refere-se também à suas palavras: realidade no sentido de coerência em sua vida e palavras.
O escritor sacro tem a intenção clara de estabelecer um paralelo entre Lei e Graça. Justapõe graça e verdade para contrapô-las à Lei. A Bíblia diz a Graça e a Verdade e não a Verdade e a Graça. E por que a graça vem primeiro e de forma tão abundante?(2) Para mostrar a superioridade da nova aliança e se sobressair ao rigor da lei no testamento anterior. Portanto, a graça surge como a grande novidade do amor de Deus no Evangelho.
Jesus traz a realidade em si, a verdade como ela é, sabendo que os homens não subsistiram ao rigor da Lei, por isso ele mesmo veio cheio de graça e de verdade. Essa junção, graça e verdade, fala da flexibilidade amorável e da justiça de um Deus que resolveu salvar os pecadores, fazendo justiça não pelas obras da lei, nem pelas boas obras dos homens, mas pela Graça e pela justiça que é segundo a fé (Ef.2.8).
Quem não conhece a máxima da introdução do Direito na Roma Antiga: "Dura lex, sede lex", a lei é dura, mas é a lei. A lei de Moisés igualmente era dura e todos deveriam cumpri-la em qualquer ocasião, embora ninguém pudesse fazê-lo integralmente, senão Jesus - aquele que não tinha pecado e veio cheio de graça e de verdade.
As grandes estruturas, como prédios, viadutos, estádios de futebol, torres construídas com ferro e concreto são edificados com certa flexibilidade para não ruirem frente aos grandes abalos. Toda estrutura muito rígida, se não tiver um pouco de flexibilidade, está fadada à ruina. Assim também a doutrina cristã tem verdade, realidade, mas também tem graça. Havia um tempo na igreja em que o irmão disciplinado era desprezado e os outros evitavam comunhão ou contato com ele. Foi por esse tempo que ouvi alguém falando de um pastor que, obrigado a disciplinar a própria filha que havia ferido a doutrina, teria feito um apelo em lágrimas diante da igreja: "Irmãos, não desprezem minha filha. Ajudem minha filha, porque na minha casa tem verdade, mas também tem graça".
A disciplina na igreja é indispensável, pois quem está sem discipina é como um "bastardo" e não filho (Heb.12.8). Contudo, a rigidez de muitas igrejas têm gerado crentes "domados" pela religião que adestra mais do que edifica. Muitas igrejas evangélicas ainda guardam resquício do catolicismo romano anterior à Reforma em suas cartilhas doutrinárias. Conservam a imagem do Deus da Idade Média, a idéia de um Divindade irada contra os moradores da Terra, destilando ódio e prometendo castigo, quando o Evangelho revela um Deus gracioso, um Pai amoroso, disposto a perdoar para "não quebrar" o indivíduo. A consequência da rigidez na estrutura da igreja é a formação de uma geração de crentes inseguros, medrosos, que não se sentem filhos de Deus e que não têm certeza da salvação. Porém, a disciplina deve observar princípios estabelecidos pelas Escrituras e dentro da natureza do binômio graça-verdade. Na disciplina deve-se observar seu caráter formativo e correcional. O caráter formativo baseia-se na instrução da igreja aos membros para prevenção. Já o correcional, como o próprio nome sugere, tem por base a correção. Não como uma igreja que leva o nome de cristã, onde se um membro pecar o problema passa a ser dele com Deus: "A Igreja", dizem eles, "não pode fazer mais nada, agora é com você e Deus".
A disciplina cristã deve ter como fim a restauração do irmão faltoso e não o "apedrejamento" público, pelo fato de o cristão ser falível. Por outro lado, igreja que não tem disciplina cria filhos bastardos e gera desordem e indecência, envergonhando o nome da Igreja de Cristo. Precisamos de igrejas que nos digam o que é pecado, o que é errado, o que podemos e o que não podemos fazer, segundo as Escrituras e não segundo os homens. Não precisamos de igrejas moralmente frouxas que só levam o título de cristãs. Igualmente não precisamos de igrejas inquisidoras ou indulgentes no sentido de condescendentes e tolerantes com a prática do pecado.
A correção não deve ser parcial, mas indiscriminatória. Todos que pecarem devem ser corrigidos e não somente os pequenos, os pobres e os indoutos, mas também os ricos, os cultos, os ilustres e, claro, as autoridades eclesiásticas. Para se ter verdade, realidade, é preciso fazer sem vantagem ou direito exclusivo. A verdade é verdade para todos, sem discriminação. A graça é graça para todos e não privilégio de alguns. Acima de tudo, todos que pecarem devem ser restaurados para o perdão e comunhão. A Igreja precisa, como Jesus, ser cheia de Graça e Verdade para com seus membros.
Ao concluir quero afirmar que se Jesus tivesse vindo apenas com a verdade, estaríamos perdidos. A mulher adúltera teria sido apedrejada (Jo.8), Zaqueu não poderia recebê-Lo em sua casa (Lc.19.10) e o ladrão da Cruz (Lucas 23.43) onde estaria? E os outros? Confesso que sem a manifestação da Graça (Tt. 2.11) eu não teria a menor chance. Você teria? Dou graças a Deus que na minha trajetória fui muitas vezes disciplinado pelo Senhor e muito mais vezes alvo da Sua graça e por ela beneficiado.
"E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do Unigênito do Pai, cheio de Graça e de Verdade" (Jo.1.14).
Deus abençoe a todos.
Maranata. Ora vem Senhor Jesus!
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